Estamos quase lá... Vamos lá afinar a voz e cantar as Janeiras e os Reis, pois é tradição!

 Cantar os Reis e as Janeiras (Vila Real – Trás-os-Montes e Alto Douro)

Após o Natal e até ao fim do mês de Janeiro, grupos de homens e mulheres, jovens e crianças, com ou sem instrumentos musicais (muitas vezes apenas acompanhados por uma gaita de beiços), iam cantar, de porta em porta, para anunciar o nascimento do Deus-Menino:
«’Inda agora aqui cheguei,
Mal pus o pé nesta escada,
Logo o meu coração disse
Qu’aqui mora gente honrada.
Avante, pastores,
Corramos a Belém,
Adorar o Deus-Menino
E à Sua Mãe.»
Há quem diferencie «os Reis» d’«as Janeiras», defendendo que aqueles cantar-se-iam até ao dia de Reis:
«Hoje é dia cinco,
Amanhã é dia seis,
Viemos dar Boas Festas
E também cantar os Reis».
enquanto que as Janeiras cantar-se-iam, essencialmente, desde essa data até ao fim do mês de Janeiro, sendo que o tema das quadras também mudariam um pouco:
«Quem diremos nós que viva,
No ramo da salsa crua,
Viv’à menina da casa
Qu’alumia toda a rua.
Quem diremos nós que viva,
No pêlo do cobertor,
Viv’ó menino da casa
Qu’anda a estudar p’ra dôtor.
Quem diremos nós que viva,
Nós não queremos ficar mal,
Vivam os patrões desta casa,
Vivam todos em geral.»
No final, a porta da casa abria-se e os donos ofereciam fumeiro, nozes, castanhas, vinho, etc.
Quando alguma porta não se abria, todos diziam em uníssono: «Esta casa cheira a unto; morreu aqui algum defunto».
As Janeiras e os Reis (Algarve)
O cantar das Janeiras é o domínio, quiçá o mais rico, do Cancioneiro Popular Português. A sua origem remonta igualmente ao tempo do paganismo em imitação das Saturnais Romanas que, ao converterem-se à religião crista, assumiram foros da maior originalidade.
No ancestral cantar das Janeiras está contido todo o espírito popular, a criatividade; a beleza, o encómio e o escárnio. Muito embora neste domínio se acentuem as heterogenias regionais, é, no entanto, comum a todo o País a composição de pequenos grupos corais, normalmente acompanhados de instrumentos musicais, que percorrem os mais variados lugares da sua freguesia ou vila, batendo às portas e entoando loas religiosas à mistura com quadras de fino gosto popular.
O objectivo era serem bem recebidos pelos moradores que lhes ofereciam doces e vinho. Mas, caso não correspondessem a contento, eram “mimoseados” com canções de chacota, por vezes achincalhantes, e não raras vezes culminadas por cenas bem tristes e desnecessárias.
As esmolas recebidas, em géneros, guloseimas ou dinheiro, eram em certas regiões destinadas à ceia ou festa do grupo, enquanto que noutras paragens revertiam a favor das almas do Purgatório.
No Algarve são bem conhecidas as tradicionais charolas que na orla marítima do Sotavento ainda se mantêm com o mesmo fulgor de há dezenas de anos atrás.
A recolha deste riquíssimo espólio da nossa literatura oral, foi, em parte, compilado por José Leite de Vasconcelos, Ataíde Oliveira e muitos antropólogos, amadores ou profissionais, que percorreram o país de lés-a-lés.
José Carlos Vilhena Mesquita
Janeiras… Janeiras!
Viva o Senhor João
Cara de fino papel
Chegam-se as moças a ele
Como as abelhas do mel.
Janeiras… Janeiras… As Janeiras cantadas de porta em porta pelas ruas da minha aldeia rodeada de pinheiros, castanheiros, vinhedos e olivais; defrontando, a altiva, Serra da Estrela, vestida de neve debaixo do luar gelado.
Na escuridão da noite ouvem-se vozes em coro, cantando aqui e além em grupos, as mesmas cantigas que de geração em geração se fizeram ouvir até aos nossos dias numa comunhão de festa e de partilha em louvor do Ano Novo.
Levante-se daí Senhora
Do seu banco de cortiça
Venha-nos dar as janeiras
Ou de carne ou de chouriça.
As casas fartas; de porcos na salgadeira, papas na taleiga, fartura de sequeiro e dispensa bem farta, raramente diziam que não aos cantadores. Aos garotitos umas maçãzitas, nozes, figos secos, avelãs, castanhas, tudo servindo para a divisão final.
Outro rancho se aproxima. Cantadeiras de vozes bem timbradas, que a viola segue e a guitarra acompanha os seus trinados.
Viva lá o Senhor António
Raminho de bem querer
Traga lá a chave da adega
Venha-nos dar de beber.
A espera não era muita, porque a porta de imediato se abria.
Então as raparigas com os xailes pela cabeça, abafavam o riso para não serem reconhecidas. Os homens, esses não queriam saber de mistérios, aceitavam a pinga de vinho que de tão boa vontade lhes era oferecido.
As Janeiras que nos deram
Deus será o pagador
Queira Deus que para o ano
Nos faça o mesmo favor.

João Ferreira (Retratos – 11/01/98)




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