Já todos ouviram falar do museu Madame Tussaud, mas sabem a história desta mulher?

Quando mencionamos o nome de “Madame Tussaud” a maioria logo pensa nas réplicas em cera de celebridades e políticos, alojadas na famosa companhia de museus denominada: ”Madame Tussauds Wax Museum”. 

Cada belíssima escultura, é um convite ao fascínio e  deslumbre do visitante. 

No entanto, por trás destes brilhantes rostos de cera, encontra-se a história de uma mulher que sobreviveu à Revolução Francesa, para tornar-se uma das mais famosas fabricantes de máscaras mortuárias e esculturas póstumas da história.


Marie tinha 89 anos e era uma das mulheres de maior sucesso do século XIX, quando morreu em sua casa em Baker Street, Londres. Sobrevivendo a um passado negro e singularmente horrível, ela transformou-se num nome familiar em seu país de adopção, criando uma das mais populares atracções turísticas da Grã-Bretanha, actualmente Madame Tussaud.
Madame Tussaud ou Anne-Marie Grosholtz, nasceu em Estrasburgo, França, no ano de 1761. Ela nunca conheceu o pai, um soldado alemão chamado Grosholtz, cujo rosto havia sido horrivelmente mutilado na guerra e cuja mandíbula inferior havia sido baleada e deslocada, sendo substituída por uma placa de prata. Ele morreria dois meses antes de seu nascimento. Sua jovem mãe viúva (de mesmo nome), levou a criança a Berna, na Suíça, onde se tornou empregada de um médico e artista de nome Philippe Curtius, que possuía um talento nato para a modelagem em cera, abrindo um museu de suas cabeças e bustos confeccionados com o material.
A convivência foi bastante positiva para Marie, que logo se afeiçoou a Curtius, a quem carinhosamente chamava de “tio”. É claro que devido a isto, rumores sórdidos do período, chegaram a especular que este, poderia ser de facto seu pai. Intrigas à parte, foi a partir deste homem, que Marie aprendeu sua arte enquanto criança, mostrando possuir um talento nato para a escultura, que Curtius a ajudaria a lapidar com o passar dos anos.
Quando ele se mudou para Paris, em 1765, onde ganhou sucesso no meio da moda, Marie e sua mãe juntaram-se a ele, sendo a jovem, a sua mais nova assistente. 
A mudança para Paris, surgiu porque o príncipe de Conti – um membro da família real francesa – viu o trabalho Curtius ”e prometeu-lhe patrocínio, caso ele se mudasse para a cidade”. Como resultado, Marie conheceu muitos dos principais aristocratas e intelectuais franceses da época e modelou tanto Voltaire, quanto Rousseau em vida. 
Na década de 1780, ela foi empregada a fim de ensinar arte para Madame Elisabeth, a irmã de Luís XVI. Não demorou muito para que Marie obtivesse um convite para viver na esplêndida Corte de Versalhes, onde se encontrou com o rei e muitos membros da família real. Durante seus nove anos como um membro da Corte real, Marie modelou o rei, a rainha Maria Antonieta e dois de seus filhos.
De filha de uma humilde dona de casa, para tutora de arte da irmã de Luís XVI, a estrela de Marie estava em grande ascensão.

Numa época em que não existia a fotografia, os artistas de cera eram muito celebrados e Curtius, era o líder desta nova forma de entretenimento. 

Localizado no coração do distrito florescente de entretenimento de Paris – a Boulevard du Temple -, seu estabelecimento possuía duas secções para exposições. A primeira secção continha modelos de cera das mais glamourosas damas parisienses. Sua obra mais popular, de longe foi a “Marie Antoinette e sua família fazendo a ceia”

Já a segunda secção – hoje conhecida como House of Horrors -, era reservada aos criminosos cruéis e show de horrores. Por outras palavras, os bonecos de cera eram um sucesso e despertavam o lado voyeur de todo espectador. 

De longe, o detalhe mais importante dos modelos de cera de Curtius, era o que eles estavam vestindo. Mulheres de toda a França, Inglaterra e países vizinhos, visitavam seu museu para ver os vestidos favoritos de mulheres como Maria Antonieta, feitos por seu estilista pessoal, Rose Bertin, ou até mesmo os de Madame du Barry, descansando em toda a sua pompa e elegância. 

Assim como olhamos para os manequins nas vitrines das lojas ou revistas de moda atuais, as pessoas naquele período iam a estes salões de exposições para observar tudo, inclusive a moda do momento.

Embora Curtius se declarasse monarquista, ele estava desenvolvendo simpatia jacobinas e movendo-se em círculos políticos radicais, e por este motivo, pediu que sua “sobrinha” fosse autorizada a retornar para sua própria casa, no início de 1789. Por este motivo, Marie conheceu Robespierre e outros revolucionários no círculo de seu tio.


Se não fosse pela Revolução, Marie poderia ter levado uma vida pacata entre a Corte francesa, tendo sido praticamente esquecida nos dias atuais. 

No entanto, as coisas tomariam um rumo drástico para ela. Em 14 de Julho de 1789, não muito longe de Boulevard du Temple, a prisão da Bastilha foi atacada por um grupo de soldados rebeldes descontentes e cidadãos seriamente enfurecidos. 

O objectivo inicial era obter a munição no interior da Bastilha, mas como todos os bons acontecimentos históricos, seu significado estava no rescaldo. 

O governador, De Launay, rendeu-se e foi levado para o Hotel de Ville, onde foi espancado até ficar desfigurado. Sua cabeça foi colocada em uma estaca e exibida para a multidão. Era o início do caos.

Com os efeitos da Revolução, Marie viu sua vida mudar, sem que nada pudesse fazer a respeito. A cabeça de De Launay foi levada até à chocada jovem, para que realizasse um molde. 

Nove dias após a queda da Bastilha, Curtius conseguiu mais dois trabalhos – as cabeças decapitadas de Foulon e seu genro. 

Foulon havia sido nomeado para substituir o muito amado ministro das Finanças, Necker, mas teve a infelicidade de fazer um comentário inoportuno, sugerindo que os camponeses famintos, “comessem feno”. 

Por tal observação, a multidão cortou sua cabeça e colocou-a em uma estaca, adicionando é claro, uma generosa porção de feno em sua boca. Foi neste momento que as estátuas de cera foram reinventadas. 

Elas agora não mais eram ícones de um quotidiano protocolar ou identidade fashion, e sim, um dos símbolos da Revolução. 

Para saber quem foi a última pessoa enviada à guilhotina, bastava visitar o museu de cera de Curtius e informar-se das últimas notícias. Ao contrário dos meios de impressões, a cera era muito mais complicada de censurar. 

Marie foi obrigada a fazer moldes das cabeças das vítimas da guilhotina, muitas das quais tinham sido amigas de seu tio e convidadas em seus jantares. A violência continuou durante anos, enquanto Marie e Curtius registavam detalhes das mortes em suas efígies de cera. 

Um dos episódios mais chocantes, ocorreu em 02 de setembro de 1792, quando Marie-Louise, a princesa de Lamballe, foi atacada pelos líderes de uma multidão enfurecida. Após sua morte, sua cabeça foi decapitada e colocada em uma estaca. A cabeça ensanguentada de Lamballe, foi levada para Marie; ela ficaria ao lado de seus assassinos, que a observavam enquanto tirava um molde dela – seu cabelo ruivo terrivelmente manchado com sangue. Marie tinha conhecido a princesa e gostava dela. O episódio foi chocante para muitos, em especial, para Maria Antonieta.

Anos mais tarde Josephine introduziria Marie a Napoleão, para que esta, tirasse um modelo de cera do rosto do Imperador. 
Quando Maria Antonieta foi levada a julgamento por traição e roubo, bem como uma falsa e perturbadora acusação de abuso sexual contra seu próprio filho. Ela foi julgada e condenada, tendo seu cabelo cortado para a execução. Ela foi levada ao seu destino em uma carruagem aberta, trajando um vestido branco simples. Segundo Marie, ela esboçou o rosto de Maria Antonieta, quando esta passou pelas ruas a caminho de sua morte.
Após a execução de Maria Antonieta, seu corpo foi colocado num caixão simples de madeira e levado ao cemitério da igreja Madeline. Ele permaneceria por sepultar durante uma semana ou duas, pois o chão permanecia duro no inverno. Em suas memórias, Marie afirmou que foi ordenada pelos revolucionários, a entrar no cemitério e realizar uma impressão de cera da cabeça do rei e da rainha (além de outros executados), para a posteridade.
Ela costumava ir até o local, carregando sua mala de ferramentas e muitas vezes, tendo que cavar na pilha de cadáveres frescos, para encontrar as famosas cabeças decapitadas e assim, fazer seus moldes. Muitos deles eram seus amigos da época que passou na corte.
Os moldes poderiam ser feitos através do rosto de pessoas vivas ou mortas. 
Marie (assim como Curtius antes dela) esfregaria óleo no rosto e passaria pomada no cabelo da pessoa, para que este não ficasse pegajoso. Então, ela colocaria canudos nas narinas das pessoas, para que elas pudessem respirar (esta etapa seria ignorada caso ela estivesse morta). De seguida, ela despejaria gesso de Paris na face, que mais tarde, seria utilizada como um molde para a cera. Os acabamentos eram depois adicionados, como vidro para os olhos, cabelos e até mesmo dentes reais. Este processo é muito semelhante às máscaras mortuárias feitas no século XVI. 
Curtius morreu em 1794, legando à Marie sua colecção de bonecos de cera. Um ano depois, em 1795, ela casou-se com Francois Tussaud, um engenheiro civil e em 1800, deu à luz uma filha, que morreu mais tarde, e dois filhos, Joseph e Francis. Foi a partir deste momento, que seu então "show itinerante", se tornou o agora famoso ”Madame Tussauds”.

Durante as guerras napoleonicas, a França encontrava-se em um estado de turbulência e visitantes para as atrações, diminuíram. 

Preocupada com seu futuro sucesso e declínio económico do país, Madame Tussaud deixou a França, incapaz de retornar. Ela então, viajou por toda a Europa, exibindo sua colecção de belas, e às vezes angustiantes, criações em cera. Em 1802, ela mudou-se para a Inglaterra. O casamento no entanto, não foi um sucesso e ela partiu sozinha, como mãe solteira, levando apenas Joseph – seu filho mais velho – e seus bonecos de cera através do Canal da Mancha, onde iniciou anos de sucesso pelas cidades da Inglaterra, Escócia e Irlanda – algo incomum para uma mulher na época. 

Em 1835, ela então estabeleceu-se em Londres, na esquina da Baker Street e Portman Square. Marie nunca mais veria seu marido novamente e mais tarde, seu filho mais novo, Francis, juntar se-ia-se à ela.

Ela abriu um museu em Londres, e suas criações tornaram-se ainda mais populares, e seu negócio ainda mais bem sucedido. 

O Duque de Wellington era um visitante regular do local e gostava de olhar para as próprias efígies e a de Napoleão. Quando a rainha Vitória foi coroada em 1837, Madame Tussaud fez uma magnífica exibição da cena. No ano seguinte, as memórias de Marie foram publicadas, no entanto, contendo poucos detalhes sobre sua vida privada. Ela era uma pessoa falante e alegre, mas sempre foi reticente sobre suas experiências durante a Revolução Francesa.

Além dos bonecos de cera e relíquias históricas em exibição no Madame Tussaud, pode-se ver uma das lâminas da guilhotina usada nas execuções – obtida a partir do carrasco de Sanson – e objectos associados a Napoleão. 

Houve também a Sala Especial, dedicada aos assassinos e derramamentos de sangue, que a partir de 1846, tornou-se a ”Câmara dos Horrores”. Seus filhos juntaram-se ao negócio, e ela continuou a trabalhar, activa e lúcida, até aos 80 anos. Ela gostava de se sentar na entrada de suas salas de exposições e recolher o dinheiro dos visitantes. 

Uma gravura de 1845, mostra Marie na mesa de colecta, trajando um vestido preto volumoso, com franjas e rendas, e seus astutos olhos arregalados observando os espectadores através dos óculos empoleirados no seu longo nariz – como se estivesse avaliando alguém como uma estátua de cera.

Perto de sua morte, quando começou a sofrer de asma grave, ela redescobriu sua fé católica romana. 

Seus filhos estavam ao seu lado quando ela morreu aos 89 anos, e suas últimas palavras foram para pedir-lhes que nunca mais brigassem. Ela foi enterrada na capela católica em Fulham Road, onde muitos exilados franceses tinham sido antes dela. Seu caixão posteriormente mudou-se para St Mary, em Cadogan Street.


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