O hábito de ir à praia....Sabem como tudo começou?
No século XVIII, muito antes das
fotografias, os banhos de mar frio tornaram-se moda, por razões de saúde. Das
vestes até aos pés aos fatos de banho ou aos biquínis. Foi uma revolução...
Banho frio de mar era bom para a saúde. Os
primeiros registos sobre os banhos referiam as suas funções terapêuticas e a
receita terá chegado a Portugal em 1753. Há mesmo descrições de que o rei D.
João VI, que cruzou o Atlântico em 1808 com a corte, usou-os depois no Brasil
e, escrevem os historiadores, estes são os únicos registos de banho que existem
dos 13 anos que viveu naquele país.
Quando um carrapato o picou e a ferida começou a
causar febre, os médicos recomendaram-lhe banho de mar. "Como temia ser
atacado por crustáceos, mandou construir uma caixa de madeira, dentro da qual
era mergulhado nas águas da praia do Caju, nas proximidades do Palácio de São
Cristóvão. A caixa era uma banheira portátil com dois varões transversais e
furos laterais por onde a água do mar podia entrar. O rei permanecia ali dentro
por alguns minutos, com a caixa imersa e sustentada por escravos, para que o
iodo marinho ajudasse a cicatrizar a ferida. Esses mergulhos improvisados na
praia do Caju, a conselho médico, são a única notícia que se tem de um banho de
D. João nos 13 anos em que permaneceu no Brasil. Quase todos os historiadores o
descrevem como um homem desleixado com a higiene pessoal e avesso ao
banho", escreve o jornalista e historiador Laurentino Gomes, autor dos livros
1808 e 1822.
É em Inglaterra, cerca de 1750, que aparecem os
primeiros registos de idas à praia, por motivos medicinais, ocupando a orla
marítima, até então sem uso. As estâncias termais eram recomendadas para
combater doenças como melancolia, ansiedade, histeria e delicadeza excessiva.
As elites inglesas e francesas começam a tomar conta do litoral, que se torna
zona de veraneio de eleição.
Em meados do século XVIII, "ir à praia"
passou a indicar mais do que uma simples deslocação à beira-mar, começou a designar
também uma forma de estar e de usufruir daquele espaço", defende a
historiadora Joana Gaspar de Freitas na tese "O litoral português na época
contemporânea: representações, práticas e consequências. Os casos de Espinho e
do Algarve (c. 1851 a c. de 1990)", de 2010.
Em 1753, o médico Jacob de Castro Sarmento escreve, de
Londres, sobre "o grande benefício que [tinha] recebido toda [aquela]
dilatada ilha do uso da água do mar, curando felizmente muitos achaques
crónicos com ela, em forma de banhos e bebida", cita a historiadora.
Cerca de 1786, uma peça de teatro falava em mergulhos na
Junqueira, então zona de praia, e havia barcas de banho, instaladas no Cais das
Colunas, junto ao Terreiro do Paço. E no século XIX já quase todas as praias em
redor de Lisboa eram zona de veraneio das elites.
Cascais beneficiou do impulso
do rei D. Carlos, apaixonado pelo mar, e só perdeu protagonismo para o Estoril
nos anos 30, mercê dos projectos do empresário Fausto de Figueiredo, descreve
outro historiador, Pedro Guerreiro Martins, em Contributos para Uma História do
Ir à Praia em Portugal (2011).
Ainda no século XIX, há registos de passeios da
rainha Maria Pia na Ericeira, que gozava do pitoresco da vila e da boa ligação
por estrada ao Palácio Nacional de Mafra.
Figueira da Foz era recomendada
pelos médicos e cresceu à custa da clientela coimbrã e S. Martinho do Porto era
chamada de praia das crianças pelas suas águas calmas. Esta praia chegou a ser
descrita como a San Sebastián portuguesa.
Quando se chegou ao século XX, a orla costeira já se
tinha adaptado ao "ir à praia", com roupa própria para o efeito.
"Homens e crianças entravam na água com longos fatos de malha, colantes,
às riscas horizontais brancas e pretas, joelhos cobertos e mangas abaixo dos
cotovelos. E as senhoras arrastavam pela areia e pela água as pesadas caudas de
uns vestidos de castorina escura, avivada a nastro branco. Com luxo supremo
usavam-se os vestidos de banho em alpaca preta bordada a soutache de seda
branca", escreveu, nas suas memórias, o marquês de Fronteira e Alorna,
José Trazimundo Mascarenhas Barreto, recuperadas pela historiadora.
A moda banho do início do século XX exercia tal fascínio
que serviu de tema ao primeiro concurso de fatos de banhos de 900 das praias da
Costa Verde, no salão nobre das piscinas Solário Atlântico, Espinho, em 1966,
documentado pelo Jornal de Notícias. As piscinas, inauguradas em 1942,
continuam a funcionar e testemunham a existência de uma estância balnear forte
a norte.
Só na década seguinte o Algarve começa a ser "descoberto". A
acompanhar as idas a banhos, as modas: cada vez menos tecido tem sido a regra.
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