Homenagem a uma mulher "Carolina Beatriz Ângelo"
Carolina Beatriz Ângelo foi a primeira mulher a votar em Portugal e a primeira médica a operar no Hospital de São José.
Há 107 anos, Carolina Beatriz Ângelo, a primeira mulher portuguesa a “conquistar” o direito ao voto...
Carolina Beatriz Ângelo, médica, republicana e sufragista, foi a primeira mulher a votar em Portugal, nas eleições realizadas para a Assembleia Nacional Constituinte, no dia 28 de maio de 1911.
Domingo, 28 de maio de 1911. Carolina Beatriz Ângelo, viúva, médica, dá os últimos retoques na maquilhagem. Despede-se da filha, Maria Emília, e sai de casa, certa de ir fazer história. Dirige-se ao Clube Estefânia, onde está instalada a Assembleia de Voto de São Jorge de Arroios, Lisboa.
Foi recebida pelo diretor do clube, e esperou que a mesa de voto chamasse pelo seu nome para exercer o seu direito de voto nas eleições para a Assembleia Constituinte após a implantação da República. Perante o olhar de dezenas de pessoas, foi a primeira mulher a votar em Portugal, facto que mereceu a cobertura de jornais de toda a Europa,
surpreendidos com a coragem desta mulher. O momento foi imortalizado pelo fotógrafo Joshua Benoliel, em reportagem para o jornal O Século.
Carolina Beatriz Ângelo nasceu na Guarda em 1878, tendo aí completado os estudos liceais. Seguiu depois para Lisboa, onde ingressou nas Escolas Politécnica e Médico-Cirúrgica, concluíndo o curso de Medicina em 1902. Nesse mesmo ano, casou-se com Januário Barreto, seu primo e conhecido ativista republicano. Foi a primeira médica portuguesa a operar no Hospital de São José, e trabalhou ainda no Hospital de Rilhafoles, sob orientação de Miguel Bombarda. Mais tarde, dedicou-se à especialidade de ginecologia.
Nascida numa família abastada, mas sem ligações políticas, a militância cívica de Carolina Beatriz Ângelo iniciou-se apenas em 1907, juntamente com a de outras médicas, tendo aderido a movimentos femininos a favor da paz e da implantação da República e à Maçonaria, bem como à defesa dos direitos das mulheres, nomeadamente o de votar. A primeira lei eleitoral após a implantação da República reconhecia o direito de votar aos cidadãos portugueses com mais de 21 anos que soubessem ler e escrever e que fossem chefes de família, uma lei claramente criada a pensar apenas nos homens.
Carolina Beatriz Ângelo, sufragista convicta, militante da Liga Republicana das mulheres Portuguesas, fundadora e presidente da Associação de Propaganda Feminista, viu na redação da lei a oportunidade de a usar a seu favor: com mais de 21 anos e instruída, Carolina havia enviuvado em junho de 1910, tendo ficado com uma filha menor a cargo, o que lhe permitia preencher todos os requisitos previstos na lei, pois, gramaticalmente, o plural «chefes de família» inclui masculino e feminino. Dirigiu então um requerimento ao presidente da comissão recenseadora do 2.º Bairro de Lisboa, para que o seu nome constasse do recenseamento eleitoral. A comissão recenseadora indeferiu o pedido, o que levou a jovem médica a recorrer aos tribunais, com o argumento de que a lei não excluía expressamente as mulheres.
E a 28 de abril de 1911, o juiz João Batista de Castro – pai de Ana de Castro Osório, presidente da Liga das Sufragistas Portuguesas – proferia a histórica sentença: «[Excluir] a mulher [...] só por ser mulher [...] é simplesmente absurdo e iníquo e em oposição com as próprias ideias da democracia e justiça proclamadas pelo Partido Republicano [...], porque onde a lei não distingue não pode o julgador distinguir [...] e mando que a reclamante seja incluída no recenseamento eleitoral.» Um mês depois, Carolina Beatriz Ângelo tornava-se a primeira mulher a votar em Portugal.
A atitude de Carolina Beatriz Ângelo desagradou a muitos políticos da época, e levou a uma alteração da lei eleitoral, que passou a determinar que «são eleitores [...] os cidadãos portugueses do sexo masculino maiores de 21 anos ou que completem essa idade até ao termo das operações de recenseamento, [...] saibam ler e escrever português e residam no território da República Portuguesa.”
As mulheres tiveram de esperar até 1931 para lhes verem reconhecido o direito de votar, e mesmo assim com restrições: teriam de ter cursos secundários ou superiores. Só em 1974, depois do 25 de Abril, foram abolidas todas as restrições à capacidade eleitoral dos cidadãos tendo por base o género.
A sua história está agora contada de forma inédita: em banda desenhada, pelo traço único de José Ruy, com edição da Âncora Editora. Ao longo de 32 páginas, José Ruy dá-nos a conhecer todo o percurso de militância cívica de Carolina Beatriz Ângelo e a luta que travou para ver reconhecido o seu direito de votar, mostrando que afinal o regime republicado não era tão progressista como se pensava.
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