A 3 de Outubro de 1911, morre Carolina Beatriz Ângelo, sabem quem foi?

Carolina Beatriz Ângelo, médica, republicana e sufragista, foi a primeira mulher a votar em Portugal, nas eleições realizadas para a Assembleia Nacional Constituinte, no dia 28 de maio de 1911.

O facto de ser viúva e ter de sustentar a sua filha, Emília Barreto Ângelo, permitiu-lhe invocar em tribunal o direito de ser considerada «chefe de família», tornando-se assim a primeira mulher a votar no país, nas eleições constituintes, a 28 de Maio de 1911. Por forma a evitar que tal exemplo pudesse ser repetido, a lei foi alterada no ano seguinte, com a especificação de que apenas os chefes de família do sexo masculino poderiam votar.

Carolina Beatriz Ângelo nasceu a 16 de Abril de 1878, em São Vicente, no distrito da Guarda, filha de Emília Clementina de Castro Barreto e Viriato António Ângelo. Cresceu num ambiente familiar liberal. O pai apoiava o Partido Progressista e estava ligado à actividade jornalística, o que lhe permitiu ingressar no Liceu da Guarda, em 1891, onde fez os estudos primários e secundários, e posteriormente ingressou nas Escolas Politécnica e Médico-Cirúrgica em Lisboa, onde concluiu o curso de Medicina em 1902. Nesse mesmo ano, casou com Januário Gonçalves Barreto Duarte, seu primo, casapiano, médico, activista republicano e um dos fundadores da Liga Portuguesa de Futebol.
Na sua carreira médica destaca-se o facto de em 1903 ter apresentado a sua dissertação inaugural “Prolapsos Genitaes (Apontamentos)”, iniciando a sua prática como a primeira cirurgiã portuguesa, feito notável que contrariava a tendência fortemente sexista dos blocos operatórios da época. Tornar-se-ia então na primeira mulher portuguesa a operar no Hospital de São José, sob a direcção de Sabino Maria Teixeira Coelho. Trabalhou ainda no Hospital Psiquiátrico de Rilhafoles, sob a orientação de Miguel Bombarda, e dedicou-se à especialidade de Ginecologia, com consultório particular na baixa lisboeta, mais precisamente na Rua Nova do Almada.
O ambiente anti-monárquico dos últimos anos do século XIX e primeiros do século XX caldeou a ideologia republicana, maçónica e feminista entre a burguesia liberal lisboeta, e sem excepções, Carolina Beatriz Ângelo. A sua militância em organizações defensoras dos direitos das mulheres iniciou-se em 1906 no Comité Português da agremiação francesa La Paix et le Désarmement par les Femmes, uma associação que tinha por objectivo a resolução de conflitos bélicos pela forma do diálogo, seguindo-se em 1907, no Grupo Português de Estudos Feministas, conduzido por Ana de Castro Osório, e na Maçonaria, na Loja Humanidade, sob o nome simbólico de Lígia.
Em 1909, fez parte do grupo de mulheres que fundou a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, defensora dos ideais republicanos, do sufrágio feminino, do direito ao divórcio, da instrução das crianças e de direitos e deveres iguais para homens e mulheres. Apenas um ano depois, o seu marido Januário Barreto viria a falecer, vítima de tuberculose, sem antes ver o fim da Monarquia, como tanto desejava, deixando-a com a filha Maria Emília Barreto Ângelo, ainda pequena, para criar.
A 5 de Outubro de 1910, dá-se a Implantação da República, tendo Carolina Beatriz Ângelo e Adelaide Cabete sido as responsáveis pela confecção secreta das bandeiras vermelhas e verdes, simbolizando a bem sucedida revolução. Logo após, esteve envolvida na fundação da Associação de Propaganda Feminista. Esta associação, que chegou a dirigir, teve origem na cisão da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas por questões relacionadas com o sufrágio feminino. No âmbito da Associação de Propaganda Feminista projectou a criação de uma escola de enfermeiras, o que é referido como mais uma manifestação da sua preocupação com a emancipação das mulheres.


No dia 3 de Outubro de 1911, pelas 2 horas da manhã, apenas 4 meses após ter votado, Carolina Beatriz Ângelo morreu de síncope cardíaca derivada de miocardite, em sua casa, com apenas 33 anos de idade. Dizem os relatos de então que se sentiu mal durante a viagem de eléctrico, enquanto regressava à sua residência na Rua António Pedro, freguesia de São Jorge de Arroios, após estar presente numa reunião política com outras feministas da Associação de Propaganda Feminista.
Foi sepultada num jazigo particular no Cemitério dos Prazeres. Deixou como testemunhos para a posteridade duras críticas à República e aos republicanos («A não ser o nosso Afonso Costa, o resto não vale dois caracóis»).
O seu gesto teria como consequência imediata um retrocesso na lei: o Código Eleitoral de 1913 determinava que «são eleitores de cargos legislativos os cidadãos portugueses do sexo masculino maiores de 21 anos ou que completem essa idade até ao termo das operações de recenseamento, que estejam no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, saibam ler e escrever Português, residam no território da República Portuguesa». As mulheres portuguesas teriam de esperar pelo ano de 1931 para lhes ser concedido o direito de voto e, ainda assim, com restrições: apenas podiam votar as que tivessem cursos secundários ou superiores, enquanto para os homens continuava a bastar saber ler e escrever.
A lei eleitoral de Maio de 1946 alargou o direito de voto aos homens que, sendo analfabetos, pagassem ao Estado pelo menos 100 escudos de impostos e às mulheres chefes de família e casadas que, sabendo ler e escrever, tivessem bens próprios e pagassem pelo menos 200 escudos de contribuição predial.
Em Dezembro de 1968 foi reconhecido o direito de voto político às mulheres, mas as Juntas de Freguesia continuaram a ser eleitas apenas pelos chefes de família. Só em 1974, já depois do 25 de Abril, seriam abolidas todas as restrições à capacidade eleitoral dos cidadãos tendo por base o género.


O Hospital Beatriz Ângelo em Loures tem o seu nome

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