Já ouviu falar que a alheira de Mirandela foi a salsicha portuguesa que salvou judeus e conquistou a BBC
A alheira de Mirandela foi criada
para esconder e salvar judeus, numa altura em que estes eram queimados vivos
pela Inquisição. Uma jornalista da BBC descobriu a história e decidiu contá-la.
Não há nada mais português que os enchidos. Desde o chouriço à
morcela, passando pela farinheira, ninguém recusa uma boa salsicha cheia de
carne ou daquilo que, na verdade, calhar.
Alheiras essas, há muitas: mas nenhuma tão famosa como a de
Mirandela.
A jornalista Theodora Sutcliffe, da BBC, esteve em Portugal
e ficou rendida àquela que chama “a salsicha portuguesa que salvou judeus”.
A jornalista diz que “cada prato conta um milhão de histórias” e
aqui, a história começa em 1492,
quando Fernando de Aragão e a mulher, a rainha Isabel de Castela, conquistam o
último bastião mouro da Península Ibérica – Granada – e invadiram o Palácio da
Alhambra. Profundos católicos, os reis acreditavam que os judeus praticantes
podiam incentivar aqueles que se converteram ao cristianismo a regressar à sua
religião original. Contrataram interrogadores para perseguir judeus no seu
reino: sim, estamos a falar da Inquisição
espanhola.
Milhares de judeus fugiram de Espanha para Portugal,
principalmente para Lisboa. Mas a partir de 1496, os judeus portugueses também
foram forçados a converter-se ou, em alternativa, sair do país. Durante os dez
anos seguintes, cidadãos mais conservadores, normalmente marinheiros, matavam
judeus diariamente.
Em 1536, a Inquisição chegou formalmente a
Portugal e tanto judeus como judeus convertidos eram capturados e queimados
vivos na pira, diante de um mar de gente, no Rossio.
Os judeus começaram a esconder-se e a formar comunidades em que
se faziam passar por cristãos: escreviam em hebreu e fingiam rituais católicos
para não levantar suspeitas.
Mas em Trás-os-Montes, o disfarce foi mais
original. Uma das principais maneiras que os membros da Inquisição tinham para
descobrir os fugitivos era perceber se estes comiam carne de porco ou não –
porque a religião judaica proíbe o seu consumo.
Para enganar os investigadores, os
habitantes de Mirandela criaram uma salsicha feita com pão e frango, que se
assemelhava aos tradicionais chouriços e farinheiras com carne suína: a
alheira.
Theodora Sutcliffe, jornalista da BBC, passou pela Manteigaria
Silva enquanto esteve em Lisboa e ficou surpreendida com a história da alheira
de Mirandela.
Falou com Paolo Scheffer, um especialista na herança judaica de
Lisboa, e foi aprender como se come alheira no restaurante Zé dos Cornos, na
costa do Castelo: com um ovo estrelado, batatas fritas e arroz branco.
Nos dias de hoje, a alheira é um dos elementos típicos da
cozinha portuguesa e já é feita com carne de porco, carne de caça ou pode até
ser vegetariana.
Depois de salvar milhares de judeus, saltou das montanhas de
Trás-os-Montes para o resto do país.
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