Sabem como se produzia gelo em Portugal antes do frigorífico ser inventado?

A fantástica Real Fábrica do Gelo:
Os reis e a corte há dois séculos já tinham a resposta, mesmo antes da invenção do frigorífico. Pediam ao neveiro mor e ele tinha o gelo no antigo Martinho da Arcada em Lisboa ou no Café do Gelo, no Rossio.

Conforme conta Carlos Ribeiro, que gere a estrutura municipal na Serra de Montejunto, muitas pessoas chegam aqui cheias de curiosidade sobre a forma como se contornava a ausência do frigorífico que só foi inventado no final do século XIX.

A responsabilidade cabia ao neveiro mor, Julião Pereira de Castro, que tinha outra fábrica na Serra da Lousã. A de Montejunto é do final do século XVIII e é única a nível mundial porque enquanto as outras fábricas produziam o gelo a partir da neve, aqui era com água que gelava.
A fábrica funcionava a partir do final de Setembro, início de Outubro e as temperaturas muito baixas transformavam a água em gelo.
Facilmente percebemos o modo como funcionava quando entramos no meio de uma área que parece um bosque, com muitas árvores e muita sombra para fazer baixar a temperatura. É aqui que começa a surpresa quando se veem 44 tanques.
A água vinha de dois poços, era tirada com uma nora e despejada num tanque com 151 mil litros. Depois enchiam os 44 tanques e o guarda esperava até a água gelar.
Na maior parte dos casos era durante a noite e seguia depois a cavalo à aldeia de Pragança, que fica no sopé da serra. Com uma corneta acordava as pessoas para irem à fábrica tirar o gelo e transportá-lo às costas para uma casa que tem três silos onde se fazia o armazenamento, conservação e expedição do gelo. Dois dos silos serviam para conservar o gelo.
Na visita podemos ver como um deles é muito grande. Tem 10 metros de profundidade e sete de largura. Dois a três homens iniciavam então o trabalho de conservação do gelo. Andavam com maços e compactavam-no até formar um bloco.
O gelo ficava alguns meses no silo e garantia-se a sua conservação porque é uma zona muito fria, sombria e virada a norte. Foi construída um bloco de pedras em volta da casa para evitar humidade e nos silos estão pedras no chão e drenos para diminuir o risco de descongelamento.
O cuidado em termos de engenharia vai ao pormenor de haver uma janela pequena, no topo do silo maior, para sair ar quente resultante da respiração dos trabalhadores.
Chegado o Verão iniciava-se o processo de transporte até Lisboa que tinha de ser célere. Os homens partiam e cortavam o gelo. Era embalado em palha e serapilheira e colocado num silo a aguardar o transporte que era feito em três fases.
Do alto da serra até ao sopé era transportado por burros. Depois em carroças ou carros de bois até à Vala do carregado, na margem do Tejo.
Seguia depois em barcas até ao Terreiro do Paço. Este percurso era feito em 12 horas e durante a noite para aproveitar as temperaturas mais baixas.
No Terreiro do Paço era levado para a Casa da Neve. Era também propriedade de Julião Pereira de Castro e mais tarde passou a ser o café Martinho da Arcada. Outro café que também tinha a mesma função era o “Café do Gelo” que ainda hoje existe no Rossio.
Na visita à fábrica há ainda informação sobre a forma como o gelo era guardado em Lisboa, o surgimento dos primeiros frigoríficos e a utilização em hospitais.
Próximo da casa com os silos está um forno de cal. Foi utilizado inicialmente para a construção das estruturas em pedra e depois para a utilização da cal como desinfectante dos tanques e dos silos, não fosse o Rei saborear um gelado estragado e o neveiro mor corria o risco de ver terminado o seu negócio.
A Real Fábrica do Gelo esteve operacional cerca de um século. O surgimento do frigorífico em 1850 acabou por arruinar o negócio e as instalações ficaram ao abandono. Sofreram uma profunda degradação e o terreno ficou cheio de mato. Foi um grupo de alunos, entre os quais Carlos Ribeiro, que iniciou o processo de recuperação.
Formaram um grupo de amigos da Fábrica, desmataram o caminho e o movimento ganhou mais tarde a adesão da Câmara Municipal do Cadaval.
Nos últimos 30 anos foram feitos vários trabalhos de conservação e em 1997 a Real Fábrica do Gelo foi classificada como Monumento Nacional.
As instalações estão abertas todo o ano e realizam-se diariamente quatro visitas guiadas: 10h, 11h, 14 e 15.30h.



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