Porque são tão gordos os lutadores de sumô?
Quanto mais gordo é um lutador, mais hipótese tem ele de se defender das tentativas do adversário para o derrubar.
O sumo é um desporto olímpico com dois atletas a competirem num ringue circular. Ganha quem primeiro conseguir arrastar o outro para fora do tapete ou então obrigá-lo a fazer tocar uma parte do seu corpo, que não a planta do pé, no chão. Não será complicado perceber, portanto, que o jogador mais pesado estará em vantagem.
Os lutadores de sumo são mesmo muito gordos, pesando em média 160 quilos. Como não há categorias de peso nesta modalidade, alguns ultrapassam largamente a fasquia dos 200 quilos, algo que não acontece em mais nenhum outro desporto.
É caso para perguntar: o que comem para ficarem tão grandes e pesados? A resposta está na dieta, eles chegam a ingerir entre 8 mil e 10 mil calorias por dia, uma alarvidade, tendo em conta as 2-3 mil calorias diárias que um adulto com apetite normal consome.
Comem muito estes atletas, mas a comida é sempre a mesma. Almoço e jantar é um prato típico, o Chanko Nabe, um guisado confecionado com legumes, peixe ou carne de aves e tofu. A refeição é ainda acompanhada de arroz e cerveja, bebida também com muitas calorias.
Embora os hábitos alimentares sejam pouco saudáveis, os nutricionistas dizem que eles não são obesos porque compensam as grandes quantidades de proteínas ingeridas com bastante exercício físico para ganhar músculo, resistência e flexibilidade. A gordura que acumulam não só é mais difícil de perder como menos prejudicial ao metabolismo.
Apesar do peso e do tamanho dos atletas, os combates travados no ringue são os mais curtos de todas as artes marciais. Podem durar até três minutos, mas, na maioria das vezes, acabam ao fim 20 ou 30 segundos. É tão rápido que nem dá para desconfiar quão longa é a preparação e quantos segredos estão por detrás desta tradição japonesa com muitos séculos de história.
Só para se ter uma ideia, o sumo já aparecia mencionado no Kojiki, o livro sobre a história do Japão antigo, datado do 712 depois de Cristo (d.C). O costume ganhou popularidade entre lutas de guerreiros, mas já fazia parte dos rituais da religião xintoísta para proteger as colheitas. Mas, foi só durante o regime militar de Tokugawa, no século 17, que se tornou num desporto profissional.
Por ser uma modalidade tão antiga, é muito respeitada entre os japoneses. Não é qualquer um que se torna num praticante de sumo e muito menos da noite para o dia. Os que ambicionam ser lutadores têm de começar cedo, entre os 12 e os 15 anos.
É com essa idade que fazem testes físicos e exames psicológicos. Os que são aprovados deixam para trás amigos e família, passando a viver em beyas – academias onde obedecem a horários e disciplina rígidos. Acordam todos os dias às cinco da manhã e, depois das tarefas de higiene e de limpeza, treinam até ao meio-dia, momento em que comem a primeira refeição. Logo de seguida descansam entre duas a três horas e regressam aos treinos até à hora do jantar, ficando com uma parte da noite livre antes de se deitarem.
Muitos sacrifícios e restrições são necessários para se tornarem profissionais. Então a vida de um novato é muito dura.
As rotinas, contudo, não são iguais para todos, havendo grandes diferenças entre os caloiros (conhecidos como rikishis) e os veteranos (sekitori). Os mais novos têm a vida muito mais difícil. Dormem todos no mesmo quarto, acordam mais cedo para limpar os aposentos dos mais velhos e preparar o banho quente deles (Ofurô), vestem roupas de algodão, calçam tamancos de madeira, mesmo no inverno, e não veem hora de também eles ganharem um estatuto superior.
Pois, pudera… Os sekitori, em contrapartida, têm vários privilégios, começando por quartos individuais, ou casa própria quando se casam, e acabando nos quimonos de seda delicada que vestem. Ao atingirem o estágio yokozunas (o maior na hierarquia), são tão venerados que, além de fazerem fortunas com os combates, têm legiões de fãs por todo o país.
Os yokozuna são os campeões entre os campeões, estatuto que os acompanha para sempre, mesmo quando começam a perder os combates e se retiram. Tempos houve que tinham mais prestígio junto do imperador do que o próprio primeiro-ministro, não precisando sequer de marcar audiência para serem recebidos.
Uma vez que nunca perdem o título de campeões, poder-se-ia pensar que não faltam por aí yokozuna no ativo ou aposentados a gozarem as regalias do seu estatuto. Nada disso. Atingir o mais alto grau na hierarquia do sumo é tarefa tão complicada que, ao fim de mais de dois mil anos de história desta modalidade, só 72 lutadores chegaram ao topo e apenas quatro estão atualmente em competição.
Para atingir o estatuto mais elevado é preciso primeiro passar pelas categorias Jonokuchi, Jonidan, Sandan-me, Makushita, Juryo e, depois, escalar mais quatro graus da 1ª divisão – Maegashira, Komusubi, Sekiwake e Osek. Nesta última classe estão os yokozuma que têm de vencer dois campeonatos seguidos entre os seis que ocorrem por ano. E a consagração, essa, só acontece depois de serem aprovados pela Federação Japonesa de Sumo, que avalia o percurso e o comportamento moral e ético do lutador.
Poucos, mesmo muito poucos, conseguem fazer este caminho até ao fim. Há épocas consecutivas que terminam sem nenhum grande vencedor. Não será então difícil perceber a euforia dos japoneses quando Kisenosato Yutaka foi consagrado yokozuma, em janeiro de 2017. Foram quase 20 anos à espera de um campeão.
Antes dele, Wakanohana Masaru foi o último lutador japonês alcançar este estatuto, em 1998, retirando-se pouco depois, em 2000, após uma derrota. E, três anos mais tarde, foi a vez de Takanohana Kooji, o único yokozuma nipónico que restava, também abandonar as competições. Desde então, o mais alto título esteve entregue a Kakuryuu Rikisaburoo, Harumafuji Koohei e Hakuhoo Sho, três lutadores mongóis que, nos últimos anos, começaram a sobressair neste desporto.
Como seria de esperar, a vitória de Kisenosato Yutaka foi festejada com pompa, mas durante o anúncio de atribuição do título em Tóquio, Koichi Hagiuda, o chefe adjunto do primeiro-ministro, deixou um aviso, que à primeira vista pode parecer estranho.
– Espero que o nosso campeão dignifique esta honra com o seu caráter, de forma a ser recordado ao longo da história.
Até parecia que estava a dar um ralhete ao herói nacional do Japão, mas Yutaka sabia bem ao que Hagiuda se referia e tentou tranquilizar o povo japonês:
– Vou fazer tudo para me tornar mais forte e crescer como ser humano.
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