A história de S.Nicolau o santo cristão que vestiram de pai Natal

Do século IV até à atualidade. A leitura da sua generosidade evoluiu até ser criada a figura que distribui presentes

Enquanto viveu, Nicolau de Myra só vestia uma túnica e uma capa, habitual nos sacerdotes cristãos no século IV. Não havia casaco vermelho nem provavelmente as barbas brancas. Esta é uma das mutações que à vista da sociedade a figura de São Nicolau, santo católico, venerado também pelos cristãos ortodoxos, sofreu ao longo de séculos para de religioso conservador se tornar a fonte de inspiração do mito de Pai Natal - imagem popularizada na década de 1930 pelas campanhas publicitárias da Coca-Cola, que foram o prolongamento de uma figura já idealizada na segunda metade do século XIX.

Santo padroeiro de Rússia, Grécia e Noruega, patrono das cidades de Moscovo e Amesterdão, Nicolau nasceu por volta do ano 260 na cidade portuária de Patara (hoje Turquia) e falava grego. Foi um devoto cristão, numa época de definições.

"É uma figura da chamada Igreja Antiga, que surge no contexto interessante dos bispos da Ásia Menor. Foi uma época de perseguições religiosas, Nicolau chegou a estar preso quando já era conhecido. Era um cristão muito empenhado. Foi cedo atraído pelas experiências monásticas, no Egito e na Palestina. Destas vivências monásticas, distinguiu-se pela sua atenção aos mais pobres, às crianças, pela caridade. Esta dimensão irá prevalecer no seu culto", resume João Luís Inglês, investigador de História Medieval da Universidade Nova de Lisboa e do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica.

Acabou por chegar a bispo de Myra, hoje Demre, cidade da Turquia, onde terá morrido no dia 6 de dezembro de 343, data em que atualmente é assinalado o seu dia no calendário cristão.

Patrono das crianças, dos marinheiros, dos estudantes ou dos arqueiros, Nicolau tem muitas histórias, algumas ganharam mais eco depois da sua morte, relacionadas com a sua generosidade. Uma das mais célebres é a do homem sem recursos que tinha três filhas para casar e Nicolau, com receio da necessidade de elas se prostituírem, foi deixando sacos com ouro ao homem para poder casar as filhas. Na Idade Média contava-se o milagre em que o santo terá ressuscitado três crianças.

No ponto de vista religioso, "era um bispo empenhado, muito intransigente na ortodoxia cristã: participa no I Concílio onde se terá destacado pela veemência com que defendeu a fé em Cristo, contra o arianismo [de Ário, que negava Cristo como divindade ou filho de Deus]", explica João Luís Inglês. Primeiro foi mais venerado no mundo oriental, até ao grande cisma, em 1054. "Com a invasão árabe, as relíquias vão para Bari e Veneza [ver texto ao lado]. O culto foi valorizado, foi mesmo canonizado e permanece como figura relevante entre católicos e ortodoxos, após o grande cisma", completa.

Após a morte, Nicolau foi celebrado durante toda a Idade Média. Se os presentes fizeram parte do seu culto e a sua ligação à tradição natalícia vai nascendo, fora do universo católico, a criação do ícone Pai Natal é consolidada no século XIX, na Inglaterra vitoriana e na América dos grandes armazéns. 

"Em Portugal, no período medieval prevaleceu sempre a tradição clássica das ordens religiosas na vivência do Natal. Havia uma visão mais tradicionalista, mais centrada na humanização de Deus, com Jesus Cristo, e nas figuras do presépio", diz João Luís Inglês. Mas Nicolau aparece muito cedo nos calendários litúrgicos. Na época medieval já era um patrono. Nasce a paróquia de São Nicolau, em Lisboa, a Igreja de São Nicolau, no Porto, entre outros. E há as festas nicolinas em Guimarães, cujos primeiros relatos são de 1664, com a construção da capela de São Nicolau.

Por esses anos, na Inglaterra já havia o Father Christmas e na Holanda e na Flandres nascia a festa de Sinterklaas (o nome irá dar origem a Santa Claus), em que o Pai Natal, inspirado em São Nicolau, já tem semelhanças com o atual ícone, mas, apesar de o manto ser já vermelho, mantinha uma certa simbologia religiosa e carregava um livro para saber quais as crianças que mereciam presentes. Chegava sempre num cavalo. O mito das renas da Lapónia surge mais tarde.

No século XIX há uma difusão do culto. "É levado para os Estados Unidos da América. O culto sofre uma reconfiguração, em que o Natal assume uma dimensão mais familiar, mais doméstica, muito virada para a partilha e a abundância", realça o historiador. Acontece a apropriação pelos grandes armazéns, com a figura de Pai Natal a ter variadas imagens e, no século XX, surge o Pai Natal da Coca-Cola. A empresa já tinha a figura no marketing até que, em 1931, encomendou ao artista Haddon Sundblom uma nova publicidade. Este ilustrador inspirou-se no poema "Uma visita de São Nicolau" de Clement Clark Moore, professor e escritor protestante do século XIX. Ficava criada a imagem moderna do homem de barbas brancas, com o seu casaco vermelho, face rosada e um saco cheio de presentes.

No catolicismo, o ícone nunca foi muito apreciado e os países do Sul da Europa resistiram. "Hoje a leitura oficial da Igreja mantém-se. O santo é que ganhou leituras mais populares e houve apropriação dos valores. A figura de Pai Natal praticamente não teve significado em Portugal até ao século XX", considera o especialista em história e religião.



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