Sabem porque no norte do país o polvo é o prato da Consoada?
No norte de Portugal, sobretudo na zona raiana, o bacalhau dá lugar ao polvo na mesa de Consoada.
Salazar tentou travar a tradição para proteger a frota bacalhoeira, mas o povo sempre arranjou maneira de fazer chegar ao prato o tesouro que vinha da Galiza. Esta história fala de contrabando, de fronteiras, de resistência. E de como todos os Natais tornam um octópode em obsessão regional.
Em toda a raia nortenha, do Minho a Trás-os-Montes, a história é a mesma. Come-se polvo cozido antes da Missa do Galo e deixa-se o que sobra toda a noite em cima da mesa, para que se volte ao repasto no almoço de 25 de dezembro. E o bacalhau, omnipresente durante o resto do ano, faz folga nas Festas.
«Há duas explicações para este microfenómeno natalício: a nobreza do alimento e a proximidade à fronteira», diz Albertino Gonçalves, professor de Sociologia na Universidade do Minho e especialista em cultura luso-galaica. «O polvo é um produto de alta qualidade e sempre esteve reservado para ocasiões especiais.»
A proximidade da Galiza, coração mundial da pesca de polvo, fazia que ele estivesse presente no território há séculos e entrasse na dieta das gentes da fronteira muito antes do bacalhau. «Com isto tornou-se um produto identitário da raia, imune às tentativas de reconversão que lhe tentaram fazer.»
O bacalhau da consoada não é, em boa verdade, uma tradição assim tão antiga. No final dos anos trinta, depois da Guerra Civil Espanhola e de uma tremenda escassez de alimentos nos dois lados da fronteira, o Estado Novo quis ordenar o abastecimento alimentar do país para travar a fome.
«Salazar definiu zonas e produtos: cereais no Alentejo, sardinha nos portos pesqueiros, hortícolas e frutícolas no Oeste. E investiu seriamente na frota bacalhoeira, capaz de trazer das águas frias do Norte um ingrediente barato e altamente duradouro», continua o investigador. «Nessas contas, o polvo, que vinha essencialmente de Espanha, não tinha lugar.»
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