Já ouviram falar de Jean-Marie Roughol? Eu, confesso que não....

Jean-Marie Roughol viveu nas ruas de Paris muitos anos. Escreveu um livro que vendeu quase 50 mil exemplares, mas continuou a ser sem-abrigo durante mais algum tempo. É que o dinheiro dos royalties só chegou passados 10 meses...

Jean-Louis Debré, ex-ministro francês do Interior, incentivou o sem-abrigo a escrever a história da sua vida. O livro vendeu 40 mil exemplares e o mendigo, Jean-Marie Roughol, alugou uma casa com os direitos de autor.

Após quase 30 anos a dormir nas ruas, o sem-abrigo parisiense conseguiu alugar uma casa com os direitos de autor de um livro em que conta a história da sua vida. Mas este é o provisório final de uma história cujo verdadeiro início remonta a um certo dia de 2013, quando o então presidente do Conselho Constitucional francês, Jean-Louis Debré, filho de um antigo primeiro-ministro e ele próprio ministro do Interior nos governos de Alain Juppé, estaciona a sua bicicleta na zona dos Campos Elísios. 

Jean-Marie Roughol, um veterano sem-abrigo, há mais de 20 anos a mendigar nas ruas de Paris, reconhece o político gaullista e decide abordá-lo. Diz-lhe que pode ir sossegado à sua vida, que ele deita-lhe um olho à bicicleta. Conversam um pouco, voltarão a encontrar-se algumas vezes nos meses seguintes, e entre ambos vai-se consolidando uma simpatia recíproca.

Um dia, estão os dois à conversa, passa um homem que reconhece o político e que comenta alto para a mulher: “Olha, é o Debré a falar com um mendigo” (o termo utilizado é clodo, diminutivo de clochard: sem-abrigo, maltrapilho, miserável). O óbvio tom de desprezo irrita o ex-ministro. 

Mais tarde, quando toda a França já ouvira falar de Jean-Marie Roughol, Debré contará: “Disse a mim mesmo que ou o confrontava e lhe pregava um estalo, o que não seria bom, ou contava a história de Jean-Marie para o sujeito ver que era bem mais interessante do que a dele."

O constitucionalista voltou-se então para o seu interlocutor e ter-lhe-á dito, segundo conta no El País o jornalista espanhol Álvaro Sánchez: “Ouça, Jean-Marie, acredito que tem muito mais para contar do que essas pessoas: escreva-me a sua história, escreva-me a sua vida, escreva-me um livro, que eu revejo-o e arranjo-lhe um editor." 

Roughol fica um tanto atordoado com a proposta, explica que não foi longe nos estudos e dá muitos erros de ortografia, mas Debré convence-o a tentar. E, durante um ano e meio, Roughol alterna a mendicidade com a escrita e mergulha nas suas memórias, desde a infância, com o abandono da mãe, aos cinco anos, as sovas do pai alcoólico e os maus-tratos sofridos às mãos de uns efémeros pais adoptivos. E depois a primeira noite na rua, aos 19 anos, quando acaba o serviço militar e não tem trabalho nem casa. 

Seguem-se as muitas histórias da vida de um sem-abrigo, as amizades, a solidariedade, o dia em que um desconhecido lhe deu 300 euros, mas também episódios degradantes e violentos. A dada altura, começa a andar armado para se defender de um grupo organizado de mendigos oriundos do Leste europeu que o queria expulsar do seu apetecível território de mendicidade na zona chique do 8.º bairro parisiense, onde um pedinte expedito pode fazer 60 euros por dia.

O ex-ministro e o ainda sem-abrigo vão-se encontrando em cafés para trabalhar no livro. Debré corrige o texto e completa as lacunas do relato com extensas entrevistas a Roughol. 

Em Outubro de 2015 chega finalmente às bancas, numa edição da prestigiada chancela Calmann-Lévy, um volume com perto de 200 páginas intitulado Je tape la manche (traduzível por Peço Esmola na Rua). Co-assinado por Roughon e Debré, vendeu 40 mil exemplares e já está traduzido em checo, chinês e coreano. A partir do momento em que o livro sai, Jean-Maria passa a alternar as horas de mendicidade, necessárias para pagar a diária da pensão onde entretanto vive, com entrevistas à imprensa e aparições na televisão.

Em Junho de 2016, quando recebe os direitos de autor do livro, aluga por fim uma casa (um pequeno apartamento pelo qual paga 530 euros mensais), na qual recebe os amigos, descobre os prazeres da culinária e acompanha o que se passa em França e no mundo através da primeira televisão que comprou na vida.

Mas não foi fácil habituar-se à sua nova existência. “No início era duro, voltava-me de um lado para o outro na cama e acordava a pensar que tinha de me despachar para ir pedir esmola para pagar conseguir pagar o quarto na pensão”, contou Roughon ao semanário francês Le Point.

Continuou a dar-se com os sem-abrigo que conheceu nos seus muitos anos de rua e garante que o sucesso não lhe subiu à cabeça. E enquanto vai já preenchendo cadernos com o relato da sua nova vida, está a trabalhar numa adaptação do seu livro ao teatro. Sempre com o apoio de Jean-Louis Debré, que agora o chateia para que fume menos e o tenta convencer a procurar emprego. “Ele ensinou-me bem mais do que eu a ele”, diz o ex-ministro. “Deu-me a conhecer os seus amigos, e mostrou-me esse mundo da rua, esse mundo de violência; fez-me descobrir uma história a muitos títulos dramática, mas que gostaria de ver terminar bem."




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