Areias Mágicas Porto Santo, um novo destino de saúde natural

Areias Mágicas

O fenómeno nada tem de novo, mas só agora foi estudado e compreendido: os famosos banhos de areia do Porto Santo têm mesmo eficácia terapêutica. Os cientistas já sabem porquê.
Os banhos de areia na praia da ilha do Porto Santo são praticados há dezenas de anos, por pessoas com patologias do sistema locomotor. Não é só turismo o que se procura naquela ilha do arquipélago da Madeira. É também saúde, e os cientistas descobriram que as propriedades terapêuticas e medicinais da areia e de outros recursos naturais da ilha são um facto.
Mas vamos por partes, que a história é longa e deve ser contada desde o princípio. Há cerca de 40 anos, o então presidente da câmara municipal, Francisco Taboada, endereçou uma carta ao professor Celso Gomes, hoje catedrático aposentado da Universidade de Aveiro, mas na altura professor na Universidade de Angola, solicitando um parecer sobre as virtudes terapêuticas da areia. E justificava: “Após um período de banhos de duas ou três semanas, os pacientes sentem-se tão bem que por vezes deixam na Câmara as canadianas que trouxeram para a ilha.” Acompanhava a carta uma pequena encomenda com areia.
Os pacientes faziam covas na areia seca da zona de transição entre a praia e a duna frontal, deitavam-se nelas e cobriam as partes do corpo afectadas com uma camada de areia muito pouco espessa. Sendo a temperatura da areia bastante superior à do corpo, este transpirava abundantemente. O banho durava entre 15 e 20 minutos, o corpo transpirado fixava fortemente os grãos finos da areia, como um panado, e o banhista, depois de sentir o corpo seco, aproximava-se do mar, sendo a areia retirada do corpo, ainda que com dificuldade, com a água salgada.
À distância, pouco era possível investigar, excepto notar que a areia da praia do Porto Santo era diferente da das outras praias, portuguesas e não só. Os grãos daquela areia possuem composição calcária de origem biogénica e um tamanho invulgarmente pequeno (valor médio à volta de 0,175 milímetros de diâmetro) e uniforme. Os estudos ficaram por aqui, mas o interesse pela questão permaneceu.
Investigação na praia
Só em 1995, estava já Celso Gomes na Universidade de Aveiro, manifestou ao seu aluno João Baptista Pereira Silva, madeirense e natural do Funchal, que frequentava a licenciatura em engenharia geológica, interesse pelo estudo da areia da praia do Porto Santo. Com a necessária anuência, fizeram-se então trabalhos preliminares, de campo e de laboratório. Mais tarde, houve oportunidade de preparar um programa de doutoramento para o engenheiro João Baptista, com o objectivo fundamental de estudar e procurar explicar as propriedades específicas da areia justificativas dos seus efeitos positivos em doenças do foro músculo-esquelético.
O programa de tese abrangia também o estudo de outros recursos naturais do Porto Santo, como a água do mar, a água de nascentes, as argilas (particularmente as do tipo bentonite, únicas em Portugal) e os produtos hortícolas e frutícolas, que se diferenciam dos demais principalmente pelo seu sabor (tomate, uvas, figos, melão, melancia, maracujá...). A tese, Areia de Praia da Ilha do Porto Santo: Geologia, Génese, Dinâmica e Propriedades Justificativas do Seu Interesse Medicinal, seria defendida em provas públicas em 2002.
Vestígios de um recife coralígeno
Os estudos de campo revelaram que havia areia idêntica à da praia do Porto Santo em depósitos posicionados no interior da ilha, e também em certos trechos da costa norte. Por exemplo, na localidade denominada Fonte da Areia, havia uma falésia cuja parte superior era constituída por um depósito muito espesso de areia calcária, claramente de origem eólica. A areia fora removida por acção do vento de uma praia frontal à falésia, praia esta onde a areia foi acumulada depois da desintegração de um espesso recife coralígeno desenvolvido na plataforma costeira de perfil suave.
Datações em amostras de areia carbonatada do Porto Santo, utilizando o método do radiocarbono, revelaram idades de 31 a 15 mil anos, pelo que a desintegração do dito recife teria tido lugar durante a última grande glaciação, quando o nível da água do mar baixou progressivamente, expondo o recife à acção da abrasão marinha.
Os estudos de laboratório confirmaram “a origem biogénica da areia que hoje apresenta a cor ‘dourada’ que suporta o título ‘ilha da praia dourada’ atribuído ao Porto Santo”: “A areia seca na zona de transição praia/duna frontal, em dias de sol, pode atingir temperaturas da ordem de 60 a 65 graus, quando a temperatura do ar é de 24 a 27 graus, a temperatura da água do mar é de 23 a 24 graus e a humidade relativa é de 70 a 80 por cento”, explicam Celso Gomes e João Baptista.
“A areia é constituída por bioclastos (componente maioritário) e vulcanoclastos (componente minoritário, inferior a cinco por cento). Os bioclastos, representados por conchas ou fragmentos de bivalves, de foraminíferos, de algas calcárias, de espongiários e radiolários, são constituídos por três espécies de carbonato de cálcio (calcite, calcite magnesiana e aragonite). Os vulcanoclastos são feldspato e magnetite titanífera. Cálcio, magnésio e estrôncio são os elementos químicos dominantes na composição química da areia, mas outros elementos igualmente bioessenciais, como o iodo, o fósforo, o enxofre e o silício, também estão presentes”, adiantam.
Um balneário de areias
João Baptista, membro investigador da Unidade GeoBioTec da FCT da Universidade de Aveiro, participou, na qualidade de investigador e consultor técnico e científico, em vários programas de saúde que levaram à construção, no Hotel Porto Santo, primeiro de um balneário-piloto e, mais tarde, de um balneário efectivo, para o qual foi proposta a denominação de “Centro de Geomedicina do Hotel Porto Santo”. “O maior número de pacientes que o frequentam, em grupos que são acompanhados de médicos, enfermeiros e nutricionistas, são oriundos dos países nórdicos (Noruega, Suécia, Finlândia e Dinamarca). No início das investigações, houve mesmo a contribuição determinante de uma clínica de tratamento de dor de Oslo, e do médico e professor norueguês Bjørg Fagerlund”, relata.
Os efeitos terapêuticos da areia são de dois tipos: termoterápico e quimioterápico. O primeiro tem por base a capacidade da areia para receber e acumular o calor natural da radiação solar, ou o calor artificial facultado no balneá­rio. “O calor é fundamental para melhorar o fluxo sanguíneo e aumentar as aberturas dos poros da pele, que funciona como membrana porosa, deixando sair os elementos químicos transportados em solução pelo suor produzido e deixando entrar ou absorver os elementos químicos que, por dissolução, passaram da areia para o suor.”  Quanto ao efeito quimioterápico, baseia-se na incorporação por absorção através da pele dos iões libertos dos grãos carbonatados constituintes da areia, quando estes são parcialmente dissolvidos pelo suor ácido (um pH de 4,5 a 6).
Pode assim dizer-se que a interacção entre a areia carbonatada biogénica do Porto Santo e o corpo humano se faz através de fase intermédia constituída pelo suor de carácter ácido desenvolvido na interface areia/corpo durante o banho de areia, cuja temperatura óptima deve ser ligeiramente superior (40 a 42 graus) à do corpo humano. O suor proporciona a dissolução química parcial dos carbonatos da areia (principalmente os bioclastos resultantes de algas vermelhas): iões de sódio, potássio e cloro, constituintes essenciais do suor, são libertados do corpo, que em contrapartida absorve iões de cálcio, magnésio e estrôncio que passaram da areia para o suor. Findo o banho, à medida que o suor vai secando, os iões vão sendo absorvidos pelo corpo e incorporados nos fluidos celulares e intercelulares e na corrente sanguínea.
As argilas esmectíticas do Porto Santo, resultantes da alteração em ambiente submarino de materiais vulcânicos, umas tradicionalmente utilizadas por residentes da ilha para a preparação de máscaras faciais, outras utilizadas na cobertura isolante das tradicionais “casas de salão”, foram igualmente objecto de investigação. As propriedades deste tipo de argilas são hoje bem conhecidas, assim como as funções que podem desempenhar quando incorporadas em veículos apropriados.



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